por Matilde Castanho
«Enviei mensagem à Inês a dizer “Olha, estava a pensar criar
um clube do livro, mas acho que é trabalho para duas pessoas, o que achas?” e
ela aceitou na hora».
Assim surgiu o The Characters Club, um clube do livro
digital fundado em 2022 por Inês Mota e Carolina Nelas. Com uma presença
magnética nas redes sociais e existência de salas de discussão sujeitas a uma
lista de espera de mais de 6 meses, o TCC assume-se como um clube de leitura
diferente daquele a que estamos habituados a conhecer no universo digital. A
sua essência familiar e intimista marca o ritmo para um dos próximos grandes
sucessos nas comunidades literárias portuguesas.
Conversámos com a Carolina e com a Inês, de forma a conhecer
melhor o seu novo projeto.
Como é que surgiu a ideia de formar um clube de leitura e porquê fazê-lo juntas?
Inês: Foi uma belíssima coincidência (risos). Eu tinha como
objetivo de início do ano, ou aderir a um clube do livro que fizesse sentido
para mim, ou criar um. Relativamente à primeira opção, nunca me senti como um
membro de um clube naqueles que experimentei e, portanto, teria de começar o
meu. Seria para começar no segundo trimestre do ano e pensei logo que, para
fazer sentido e pela exigência, teria de ter outra pessoa envolvida – pensei na
Carolina, ainda estava o projeto no papel. Quando ia começar o clube, tive um
trimestre péssimo e achei “talvez não estivesse destinado”, “não é, de todo, a
altura certa” e deixei o projeto na gaveta.
Carolina: Eu, não tendo uma história de hábitos de leitura e
sendo muito diferente da Inês nesse aspeto, de há uns anos para cá comecei a
ler muito mais e, neste verão senti que mais gente também o estava a fazer. Via
mais gente com livros, kindles, kobos… em vez de estarem no telemóvel. E tinha
esta ideia guardada, mas nessa altura era apenas uma ideia, até eu assumir
“não, é agora!”. Mandei mensagem à Inês a dizer que estava a pensar fazer
aquilo, mas achava ser trabalho para duas pessoas. Ela aceitou na hora e
descobrimos que tínhamos ideias semelhantes a título de conceitos –
pretendíamos algo mais familiar, íntimo e, ao mesmo tempo, algo diferente que
precisámos de descobrir o que seria. Quanto mais fomos falando, mais percebemos
estar em sintonia.
Como funciona a dinâmica do The Characters Club?
Inês: Aquilo que nós tentamos que aconteça é: criar aquilo
que gostávamos de ter encontrado. Tentamos preservar o ambiente familiar que
existe e que nos dá a sensação de estarmos mesmo num clube. Eu conheço os
membros do TCB e eles também se conhecem entre si, essa dinâmica é
diferenciadora em relação a outros clubes, que se assemelham mais a um fórum de
entusiastas de leitura – e tudo bem, se for isso que estão à procura!
Nós temos a dinâmica de discussões de sala, através do
Discord, sobre o livro escolhido. No final de cada mês fazemos uma discussão
aberta, onde podemos falar com spoilers, podemos dar a nossa apreciação, etc… Depois, existe também uma sala mais livre, onde as conversas
são aleatórias, toda a gente fala daquilo que quiser, há sugestões, recomendações,
apresentações. Acaba por ser onde os membros se conectam uns com os outros.
Carolina: Nesse aspeto, o facto de nós abrirmos novas vagas
no início do mês contribui para essa dinâmica, ou seja, não há pessoas
constantemente a entrar. Entram pessoas novas no início do mês e têm o seu
momento para se apresentarem e criarem ligações.
Para quem ainda não conseguiu uma vaga, porque temos uma
lista de espera que preserva esta familiaridade, temos a dinâmica que
oferecemos através do Instagram – lá revelamos o livro, promovemos interações
com perguntas, sugestões e conteúdos diversos. Deste modo, as pessoas que
preferem este ambiente mais geral, têm esta opção. Assim, conseguimos abranger estes
dois tipos diferentes de público.
Como é o processo de escolha do livro do mês?
Inês: Começando pelo processo de escolha do livro – para já,
aquilo que tem resultado para nós é, alternadamente, cada uma faz uma sugestão,
sendo que nunca escolhemos prosseguir com um livro que não tenhamos ambas lido.
Carolina: Até agora ainda não aconteceu, mas, por exemplo,
eu não vou sugerir um livro que a Inês detestou. Nesse caso, avançamos com
outra proposta. De facto, temos de ter lido as duas – e nós temos experiências
de leitura muito diferentes -, mas pensamos sempre que seja um livro que…
Inês: … tenhamos as duas gostado, ou com um padrão mínimo de
qualidade para as duas, para também pudermos sugerir a leitura com propriedade!
(risos)
Carolina: Ou até um que consigamos reconhecer que “ok, eu
não gostei, mas consigo perceber porque é que as pessoas gostam”. Tentamos
também trazer temas e estilos diferentes, apesar de ainda só estarmos no
terceiro mês de clube de leitura, essa diversidade é bastante importante.
O vosso Instagram é uma ferramenta muito central,
como organizam o trabalho feito e partilhado através dessa plataforma?
Inês: Nós trabalhamos à distância, logo toda a gestão do projeto
é remota. Para já, tem funcionado bastante bem, porque a meu ver ambas temos
princípios e formas de organização minimamente alinhados. Os conteúdos são
discutidos entre as duas, temos uma base de dados onde vamos trabalhando colaborativamente.
Vamos deixando sugestões, comentários, calendarizações, tudo aquilo que seja
necessário. A ideia é termos um espaço centralizado onde possamos trabalhar todo
o conteúdo e ter uma ponte para ver o que já está feito e o que falta fazer.
Carolina: Tanto eu, como a Inês trabalhamos em Marketing,
por isso já temos ritmos muito automatizados e até alguns vícios de profissão. Trabalhamos
com calendários editoriais, feitos com bastante antecedência, para garantirmos
que a qualidade que pretendemos se mantém independentemente dos nossos horários.
Há rúbricas que temos – como as playlists, o casting – que sabemos que vamos
incluir, pelo menos nesta fase, então acaba por ser bastante mecânico aquilo
que cada uma faz. Em seguida, surge o espaço para outras publicações e conteúdos
não-planeados, que também marcam a nossa dinâmica.
Sendo que há alguns bookstagrams e clubes de
leitura nas redes sociais, pensaram numa forma de se destacarem dos restantes?
Carolina: Nós queríamos que este clube do livro não fosse só
sobre livros, que também misturasse algumas paixões que nós também temos – as viagens
através de bibliotecas e livrarias, a moda, a música (as nossas playlists que
têm o cunho pessoal da Inês, que já tinha o hábito de as criar para si mesma).
Acaba por ser este complemento de personalidade que traz conteúdo mais diferente
e mais completo e não tão limitado apenas à leitura.
Inês: Aquilo que nos ajuda é que, como o nosso foco é ter um
clube no qual orbitam coisas incríveis, como uma conta de Instagram e outras
plataformas onde podemos falar sobre livros, sobre nós e sobre os nossos gostos,
isso faz-nos ser mais diferenciadoras nos conteúdos.
Como tem sido o
feedback?
Carolina: O número de pessoas na lista de espera não para de
crescer e é tão assustador, como incrível!
Inês: Fico sempre arrepiada quando vou espreitar o nosso
formulário! Deixa-me mesmo entusiasmada e ao mesmo tempo penso “será que
estamos à altura para receber tanta gente?”.
Pessoalmente, já recebi algum feedback dos membros do clube,
a que peço para que sejam mesmo honestos e digam aquilo de que sentem falta,
para que possamos evoluir! Tenho ouvido aquilo que eu mais queria ouvir. Dizem-me
que sentem que fazem parte de uma experiência, que os pormenores com que os
recebemos e envolvemos têm resultado muito bem.
Carolina: Reparo que, quando as pessoas falam entre si e
recomendam um autor, ou um livro, não existem julgamentos. Surgiu, há uns
tempos, uma discussão sobre uma autora que uns adoravam e outros não eram
admiradores e ambos os lados diziam gostar de ter um espaço para falar
livremente sobre as suas opiniões. É ótimo existir uma comunidade onde as
pessoas estão confortáveis e à vontade, porque estamos apenas a falar de livros.
Acham que os clubes
de leitura têm a capacidade de tornar a leitura numa tendência?
Inês: Para mim, em geral, entusiasmam-me muito estas
iniciativas. Mesmo que existam outros clubes, com os quais eu não me
identifiquei, é incrível saber que existem clubes literários em Portugal com
várias iniciativas e milhares de membros. Acaba por ser trazer os livros de
volta ao quotidiano e ao entretenimento e encaixá-los numa realidade que é digital.
Move este poder das histórias até um contexto muito atual e acho isso fascinante,
porque sou leitora desde miúda e, para mim, os livros nunca perderam a magia.
Carolina: Apesar de concordar, tenho também outra perspetiva:
neste momento, acho que, em Portugal, quem pertence a estes grupos são pessoas
que já gostavam de ler, ou já tinham hábitos de leitura. Acho que, a longo
prazo (ou médio prazo), será possível trazer a leitura para os mais jovens e
para aqueles que não têm hábitos de leitura. Por isso é que nós também, apesar de
termos um livro do mês, fazemos mais sugestões. No entanto, para quem não lia
nada, se agora lê um livro por mês, já é um progresso extraordinário. Acho que
Portugal está, ainda, um pouco obsoleto a nível literário e editorial e nestas
plataformas estamos a chegar a pessoas que já estavam neste universo. Mas
funciona como incentivo para as restantes? Sem dúvida.
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