A influência das redes sociais na saúde mental dos jovens

por Matilde Castanho

«Eu percebo que quanto mais tempo passo a olhar para um ecrã, mais desconectada me sinto do meu próprio corpo e daquilo que se passa mesmo à minha frente», confessa Kendall Jenner, membro do clã Kardashian com o título de supermodelo mais lucrativa da indústria, num vídeo publicado pela revista Vogue em maio de 2021.


Estima-se que o número global de utilizadores ativos de redes sociais e plataformas online ronde os três biliões e meio. Em Portugal, mais de cinco milhões de utilizadores confessam recorrer a diversas redes sociais várias vezes por dia e, de acordo com a Comissão Europeia, apenas 5% dos jovens portugueses não marcam presença em plataformas digitais.

A influência das aplicações e redes sociais na saúde mental dos seus utilizadores é, atualmente, um facto irrefutável, levando à necessidade de criação de diversas políticas e providências que protejam o bem-estar da comunidade que frequenta as diferentes plataformas. Em 2019, o Instagram anunciou que tomaria medidas para salvaguardar os usuários com idades inferiores a 18 anos, restringindo o acesso destes a conteúdos que promovessem a perda de peso e/ou cirurgias estéticas, bem como publicações comerciais que tivessem por base a calúnia, ou informações duvidosas. Esta medida surgiu após críticas da atriz e ativista feminista Jameela Jamil ao comportamento de diversas influencers e celebridades, que se serviam da rede social para vender produtos dietéticos controversos e contestados pela comunidade médica.

Dois anos mais tarde, a Facebook Inc., empenhada na criação de uma extensão da plataforma Instagram concebida para apelar a crianças de 13 anos ou mais novas, lançou um comunicado a informar que esta iniciativa havia sido interrompida por tempo indeterminado, devido a várias questões relacionadas com o efeito da aplicação no crescimento emocional e saúde mental dos mais novos. Críticas apontadas à companhia afirmam que os efeitos do Instagram no bem-estar físico e psicológico dos adolescentes são de conhecimento da empresa, bem como as várias dificuldades que esta já apresenta ao tentar combater a desinformação e o discurso de ódio presentes no Instagram, Facebook e WhatsApp.

No entanto, e apesar das condicionantes e restrições, concluiu-se, após um estudo da Fundação 5Rights, que serviços prestados pelo TikTok, Instagram e Facebook permitem que crianças visualizem conteúdos que glorificam e romantizam o suicídio, a automutilação, os distúrbios alimentares e tópicos sexuais, bem como campanhas de marketing abusivas desenhadas à sua medida. As crianças envolvidas na pesquisa também confessaram que as redes sociais são causadoras de experiências negativas e perturbadoras, no que envolve as suas relações interpessoais e autoestima.

 

A relação entre as redes sociais e os jovens

Sendo uma das principais plataformas mediáticas, as redes sociais são responsáveis por estabelecer e consolidar diferentes padrões estéticos, económicos e ideológicos, que, ao serem aceites por uma maioria de indivíduos, se tornam parte do zeitgeist e dão identidade a uma determinada geração.

A validação que uma elite de criadores de conteúdo obtém ao partilhar o seu estilo de vida faz com que uma comunidade muito grande de seguidores e consumidores desejem, em vão, pertencer ao status quo, copiando as tendências que observam – produtos de maquilhagem, procedimentos estéticos, estilos de vestuário, etc… - com a expetativa de conseguir pertencer a essa realidade alternativa e utópica.

«Aquilo não é uma pessoa, é o que uma pessoa está a querer passar. Não há pessoas reais na Internet – isto é uma coisa que nos custa a acreditar, porque nós estamos lá e nós sentimo-nos reais porque somos verdadeiros na nossa vida, mas não há pessoas reais na Internet», lembra Susana Garcia, 23, após confidenciar que, mesmo estando consciencializada para a falta de autenticidade nas redes sociais, sente que ceder à tentação de procurar semelhanças é inevitável.

A comparação surge, assim, como um dos principais problemas na vida dos jovens consumidores de conteúdo partilhado online, «o problema aqui não é a comparação por si só, mas é o que ela vai acarretar - a questão da autoestima. Temos os jovens a olharem para uma vida que até gostariam de ter e não têm. Isso vai afetar a forma como olham para si mesmos e a forma como se sentem», afirma Petra Tavares, psicóloga clínica.

Mesmo a nível químico, é possível afirmar que os níveis de dopamina no cérebro humano oscilam após a visualização de um novo like, ou de um novo seguidor. Esta indicação, dada pelo neurotransmissor associado ao prazer e motivação, torna possível concluir que, atualmente, grande parte da população estabelece com as redes sociais uma relação de adição comportamental, «o vício acaba por nos retirar do estado presente e deixa-nos em estado automático. Estamos tão focados naquela coisa que perdemos a noção do tempo e de tudo o que acontece ao nosso redor e acabamos por não estar presentes em momentos da nossa vida que poderiam ser importantes. Eu luto contra isso, mas às vezes vou ao Instagram só responder a uma mensagem e dou por mim a fazer scroll durante imenso tempo», expressa Afonso Parreira, 21.

Carolina Madaíl, psicóloga e psicoterapeuta, recorda também que as redes socias têm contribuído para uma maior sensação de solidão partilhada, existindo uma fenda entre aquilo que é vivido e aquilo que corresponde à realidade, ou à interação presencial, a profissional de saúde lembra que «enquanto adultos temos, tendencialmente, mais ferramentas para diferenciar o que acontece entre o mundo real e o mundo virtual. Se para os adultos este pode ser um exercício já desafiante, para os jovens, o desafio é maior. O que é partilhado nas redes corresponde ao lado mais agradável e bonito da nossa vida e, não se partilhando o que é menos agradável, pode haver uma ideia falaciosa de que a minha vida tem problemas ou dificuldades que não são comuns às outras pessoas. Isso pode contribuir para a perceção de inadequação ou de falha».

Tendo disponível uma realidade alternativa, muitos utilizadores optam por despersonalizar a sua identidade dentro das redes sociais, dissociando quem são quando estão do outro lado do ecrã. A possibilidade de ser alguém anónimo traz consigo uma sensação de liberdade e escape que permite ao indivíduo agir de maneiras que não se verificariam de outro modo, «quando estava na adolescência, comecei a perceber que várias pessoas do meu nicho me diziam que eu parecia uma pessoa completamente diferente quando estava por trás do ecrã. Hoje em dia, eu acho que já não se verifica. Não sei se, na altura, era por medo, ou vergonha, ou se havia alguma coisa que me impedia de ser eu próprio nas redes sociais», recorda Afonso.

No que diz respeito aos padrões de beleza, é importante realçar o papel dos filtros na perceção que os jovens vão formando à cerca do seu próprio corpo, verificando-se que, para muitos, tornou-se impossível publicar uma fotografia sem que esta passe primeiramente por um meticuloso processo de edição que lhes permita ser mais parecidos com o ideal de beleza que estabeleceram para si, «Isto [a questão dos filtros] afeta sobretudo os jovens, porque eles estão naquela idade de quererem se inserir num grupo, de quererem pertencer a um determinado lugar. Então, por quererem-se enquadrar tanto, acabam por começar a querer ser algo que na realidade não são», explica Petra Tavares antes de revelar que o excesso destes estímulos pode levar ao despontar da ansiedade, funcionando como gatilho.

 

O tabu da saúde mental, as redes sociais e a quarentena

Por outro lado, o papel das redes sociais foi essencial durante a gestão da pandemia de Covid-19. Não só permitiu a difusão de informação instantânea através de diferentes canais, como também auxiliou as populações confinadas a conseguirem manter o contacto com o mundo exterior. A internet permitiu-nos, muitas vezes, conservar as nossas rotinas, profissões e conexões, alargando também os nossos hobbies e áreas de interesse.

Após o primeiro confinamento em Portugal, implementado no dia 12 de março de 2020, a discussão sobre o conceito de saúde mental chegou à praça pública através das redes sociais. Para Petra Tavares, «antes da Covid-19, não existia uma comunidade tão grande de psicólogos nas redes socias e esse maior acesso a informação ajuda a combater o tabu, até porque existia uma imagem de inacessibilidade do psicólogo e hoje em dia há a noção que ir ao psicólogo é a mesma coisa que ir ao dentista, ou ao médico. Eu tenho uma situação que preciso que seja resolvida, este profissional de saúde é especializado nessa questão, então vou recorrer a ele».

Contas como @apsicologiaamiga, @carolinamadailpsicologa, @pedrocoutinhopsicologo, @apsicologia.pt e @su.psi_trabalho (entre outras) chegaram à plataforma Instagram, publicando conteúdo informativo sobre as implicações da saúde mental em diversas áreas do quotidiano. «Razões pelas quais a ansiedade te leva a pedir constantemente desculpa», «Como te podes sentir depois de uma sessão de terapia?» e até «Conheça os sinais de exaustão emocional» são alguns dos títulos dos posts destes criadores de conteúdo e profissionais de saúde, que dão a conhecer os benefícios do seu trabalho aos seguidores e potenciais clientes. «Começa a ser uma coisa que aparece no feed. Começas a pensar, começas a refletir – O que é que isto me diz na minha experiência? E nas experiências que eu tenho à volta? Comecei a perceber que de facto a saúde mental tem muitas nuances e que até a tua ansiedade já é um problema de saúde mental que convém que tu trates e cuides», desabafa Susana, destacando a importância que a presença desta comunidade nas redes sociais teve na sua experiência pessoal.

Caminhando, desta forma digital, na desconstrução do tabu que a temática ainda acarreta consigo, num país em que o suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens dos 15 aos 34 anos, pretende-se que o debate seja realizado e que toda a gente possa dar o seu testemunho. Afonso Parreira, que afirma ter declarado, durante o isolamento social de 2020, as redes sociais como o seu refúgio, acrescenta também que «foi muito através do telefone e delas [plataformas digitais] que eu comecei a entrar em contato com o que era a saúde mental, porque muitas pessoas que eu seguia, e que acabei por começar a seguir, por verem que a quarentena afetava tanto a saúde mental daqueles ao seu redor, tinham o ímpeto de querer ajudar e de querer explicar e tentar fazer com que as pessoas que estivessem na mesma situação que elas percebessem mais sobre o assunto».

Estando a lidar com a primeira geração a crescer com uma presença constante nas redes socias – e sem formação e/ou apoio que a ajude a navegar este novo universo -, a aposta na informação o e na educação revela-se a melhor arma que a juventude pode possuir, quando se trata de manter uma relação equilibrada com o mundo online. Carolina Madaíl reforça a importância do trabalho da comunicação social e da Ordem dos Psicólogos na alteração do paradigma, «progressivamente, é possível assistir a um maior conhecimento sobre saúde mental e sobre o papel da psicologia na sociedade. É notória a maior disponibilidade e o menor estigma dos jovens em procurar ajuda, não só em situações limite, até porque saúde não significa apenas ausência de doença, mas também uma potencialização do nosso bem-estar».

No entanto, quando questionados relativamente ao acompanhamento que tiveram, durante a infância, no que diz respeito à influência redes sociais no seu bem-estar, os jovens sublinham a falta de preparação dos programas curriculares, «nós não tivemos [formação]. Fomos literalmente atirados. Começámos a crescer e começamos a ser expostos a tudo. Primeiro foi o Facebook, depois veio o Twitter, depois o Instagram, depois aquele e depois outro, nós fomos muito expostos a isso e começou-se a fazer muito dinheiro muito depressa e só depois é que vieram as estruturas que controlavam essas plataformas» explica Susana sem hesitar, enquanto Afonso acrescenta que: «as escolas nunca ensinam tudo e a educação em Portugal está muito retrógrada – Tecnologias de Informação ensinam-te a trabalhar com o Microsoft Office, mas não te ensinam regras básicas de como existir ao pé de um ecrã. Nunca houve informação concreta e precisa de como nos devemos proteger na Internet e isso obriga-nos a sermos autodidatas».

 

Educação para uma utilização saudável das plataformas digitais

Apesar de todas as consequências negativas que podem resultar de uma utilização danosa das redes sociais, estas continuam a ser uma ferramenta muito poderosa no que toca à manutenção de relações, partilha de experiências e até dinâmicas da vida profissional. Deste modo, é importante saber como agir em determinadas situações e como cuidar da nossa presença no universo digital, procurando ajuda caso necessário.

Para Petra Tavares, o primeiro passo a tomar por parte do paciente (em conjunto com o seu psicólogo, ou terapeuta) passa por «fazer primeiro uma avaliação – até que ponto é que isto está a ter um impacto? É a causa, estamos perante um vício? Ou é um efeito de outra coisa? Temos de perceber primeiro até que ponto o problema se manifesta», afirmando ser comum existir quem busque ajuda devido a distúrbios de ansiedade, ou problemas com autoestima e procrastinação.

O papel dos progenitores na criação de hábitos digitais saudáveis revela também ser indispensável, «o mais importante será que, desde cedo, possa haver espaço na dinâmica familiar para uma comunicação saudável – respeitando os limites e a individualidade do filho, ao mesmo tempo que se constrói um espaço seguro para falar de emocionalidade e acompanhar, minimamente, o uso destas plataformas e suas consequências» reflete Carolina Madaíl, exaltando que cada um possui o seu conceito de saudável e deve refletir sobre quais os benefícios e prejuízos que estes espaços virtuais manifestam no seu dia-a-dia. A ajuda profissional (quando necessária) deve, no entanto, funcionar como um espaço seguro que pode encaminhar e vigiar tudo o que envolve este tipo de comportamentos.

A definição de timings torna-se numa das táticas mais produtivas e recomendadas por profissionais, sendo aconselhado aos jovens «fazerem essa monitorização, não pegar logo no telemóvel mal acordam, ter hábitos matinais que ajudem a desconectar um pouco. Saberem que o mundo real é mais importante que o mundo virtual» e também o conceito de jardins digitais surgiu na discussão, «eu não tinha a noção de cuidar do meu jardim digital, ou seja, de seguir quem me trazia conteúdos positivos e de me afastar de quem não tinha conteúdos positivos. Também tem que haver higiene nas redes sociais e eu não posso seguir só porque conheço, não posso ficar com pessoas nos meus seguidores só porque sim. Não há mal nenhum em bloquear, em eliminar, em retirar», revela Susana Garcia relativamente aos seus hábitos nas redes sociais.

A criação de um espaço resguardado, que permita aos jovens explorar as suas emoções na totalidade, não precisando de nenhum mecanismo de escape para momentos de zanga, ou tristeza é também algo a destacar, tento em conta que, como Carolina Madaíl aponta, «o scroll infinito nas redes sociais tem sido cada vez mais reportado enquanto “sintoma” de algum estado emocional. E nesse sentido, as redes sociais podem tornar-se um vício – para me desligar de algo que julgo não conseguir suportar ou processar».

Por último, ter o conhecimento que a individualidade de cada um estará refletida na sua presença no digital. O caminho de cada um é personalizado e construído pelo próprio, não sendo necessário ser perfeito, ou minuciosamente controlado. «É sempre um terreno inexplorado, mesmo que haja imensa gente que já lá está, vai sempre existir uma pessoalidade nas nossas plataformas e o utilizador vai ter que descobrir o seu caminho. E há muita ajuda que podemos ter nesse sentido, até porque as redes sociais conseguem te dar respostas para quase tudo, existe sempre alguma informação que pode ajudar a criar esse caminho de uma forma equilibrada», conclui Afonso Parreira.

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