«Isto Não É o Que Parece» por Joana Moreira e Carolina Adães Pereira

por Matilde Castanho

Joana Moreira e Carolina Adães Pereira dão voz ao «Isto Não É o Que Parece», um podcast sobre o mundo da Beleza (e não só!). As duas utilizam a sua experiência enquanto ex-editoras de Beleza nas revistas Vogue e Elle, para nos contar, em cada episódio, alguns segredos sobre a indústria, padrões de beleza e tendências que influenciam o nosso quotidiano. Conversámos com elas sobre o seu percurso, a sua amizade e o papel do «Isto Não É o Que Parece» na comunicação de Beleza em Portugal.



Como surgiu a ideia de criar um podcast juntas?

Carolina Adães Pereira: Eu e a Joana conhecemo-nos na redação da Elle Portugal e travámos logo uma amizade. Quando ela saiu da revista e eu permaneci, a amizade manteve-se e a Joana, no final de 2019, falou-me de criarmos um podcast em conjunto. Eu na altura dizia que não – não por não gostar de podcasts -, mas por achar que não tinha perfil para a coisa.

No início de 2020. voltámos a falar sobre isso, mas existia uma questão muito explícita no meu contrato, relativa à exclusividade, então ficámos a tentar encontrar uma alternativa a este cenário que nos permitisse criar conteúdo juntas. Essa solução surgiu um ano mais tarde, quando encontrámos um nome, encontrámos um conceito e tudo se tornou mais fácil pois, após a revista ter fechado, a questão da exclusividade já não se aplicava.

Como o interesse pela área sempre nos uniu, fez sentido começarmos um podcast sobre aquilo que tínhamos mais em comum – apesar das nossas perspetivas diferentes, como se nota no desenvolver dos episódios. A Beleza era aqui o meio de tudo.

Joana Moreira: Para mim, sempre fez bastante sentido utilizar os podcasts sobretudo para esta área em particular. Sempre achei que havia muita riqueza em explorar esta área na perspetiva de áudio, porque a Beleza é uma coisa super íntima e está muito associada ao próprio modo de consumo dos podcasts – são algo que ouvimos sozinhos.

E nós sempre conversámos muito sobre o tema. Não só era a nossa profissão, mas também, fora do trabalho, estava presente nas nossas conversas. Nós falávamos imenso sobre o assunto e sobre questões que nos apoquentavam e nem sempre tínhamos tempo para desenvolver, porque trabalhávamos as duas no papel (e não tanto no digital) e os próprios constrangimentos do papel deixavam-nos sem tempo, ou espaço para abordar certos tópicos, que acabávamos por canalizar para as nossas conversas, acabando por ficar com aquela sensação de «isto dava um episódio de um podcast!». 

Carolina: No fundo, nós queríamos criar um espaço alternativo para falarmos sobre Beleza, sobre os temas e a forma como não eram discutidos no papel, ou no digital, no nosso país. Sentimos muito a falta desse conteúdo em português europeu, dado que tínhamos acesso a muito conteúdo vindo do Brasil, do Reino Unido, dos Estados Unidos, até de Espanha… e em Portugal não existia. Então nós quisemos ser essa alternativa.



Qual foi o vosso primeiro contacto com a área da Beleza?

Joana: No meu caso, aconteceu completamente por acaso. Eu não tinha qualquer tipo de interesse na área, mas quando fui para a Elle Portugal, enquanto jornalista, por uma questão de acaso, o outro jornalista que estava na equipa era homem e tinha menos proximidade com o tema – é uma vertente onde ainda é evidente que, em Portugal, sofremos muito com os papéis de género – então eu fui destacada para escrever sobre Beleza. À medida que fui lendo sobre o assunto, fui tendo mais curiosidade, querendo saber mais e desenvolvendo o gosto pela temática da Beleza. Hoje em dia tenho uma proximidade muito grande com tema e, efetivamente, gosto muito da área, mas não posso dizer que seja algo que me imaginava a fazer desde sempre – não foi, de todo!

Carolina: Por outro lado, eu sou consumidora de revistas de moda desde muito nova e lembro-me de juntar o dinheiro do almoço para ir comprar a Elle UK, a W, a Daze(risos). E a Beleza, de todas as revistas de moda, é a parte mais acessível - não só em termos de compreensão, mas também em termos de aquisição. Se quisermos estar associados a uma marca, podemos não ter possibilidades para comprar a sua carteira, mas temos para comprar o seu batom, então a Beleza para mim foi a porta de entrada para um universo que sempre me fascinou.

Depois de participar e fazer parte de uma equipa editorial, durante o estágio na faculdade, o bichinho que já existia cresceu ainda mais. No entanto, apesar de não poder dizer que não gostasse de Beleza, porque consumia conteúdos de Beleza e gostava imenso, na altura não me via a produzi-los. No entanto, hoje em dia, já não sei o que fazer se não isto!


Como é que chegaram ao nome «Isto Não É o Que Parece»?

Carolina: Nós sabíamos que as pessoas que nos vissem, às duas, a criar um podcast, nos iam associar à Beleza. Nós queríamos passar logo a mensagem que este podcast não era só aquilo que as pessoas iriam assumir, porque existe o objetivo de falar sobre outros assuntos e outros temas. Não queríamos que a nossa abordagem fosse superficial, queríamos desconstruir e ser a alternativa da comunicação de Beleza que existe em Portugal. Este É um podcast de Beleza, mas a Beleza não é bem aquilo que as pessoas acham que é.

Joana: O próprio nome acabou por ser um reflexo daquilo que eram as nossas conversas antes do podcast. Nós começamos a falar de um lançamento de um produto anticelulítico e damos por nós a filosofar sobre os padrões sociais e as representações que vemos… a nossa conversa escala muitas vezes para uma coisa muito maior que o produto que deu início à discussão. Queríamos tirar essa carga da Beleza, explicar que não é algo fútil, que não é simplesmente algo para ser observado e consumido. Tem uma vertente social que nós queríamos explorar.


Existiu algum tema que, logo à partida, vocês sabiam que teriam de dedicar um episódio?

Joana: Sem dúvida! A questão do greenwashing em especial, porque estávamos as duas a trabalhar como Editoras de Beleza quando a clean beauty se tornou tendência e começou a ser utilizada no marketing e discutimos muito esse assunto. Como nós apanhámos essa fase, sentimos que era algo que precisava urgentemente de ser desmistificado, mesmo que ambas já o tivéssemos feito nos nossos meios, quando trabalhávamos para eles.

Carolina: Nós sabíamos que, mais tarde ou mais cedo, também iríamos falar sobre a nossa própria experiência. Até porque é das perguntas que mais nos fazem!

Joana: Sim! Quando nós lançámos o podcast, a questão da profissão realmente tornou-se bastante óbvia! Porque a Moda e a Beleza são meios muito fechados e elitistas: muito pouca gente tem acesso e não há muita informação sobre eles. E nós, sendo pessoas que não têm qualquer histórico de proximidade com este mundo, sempre quisemos partilhar a nossa experiência e dizer que é possível entrar na área sem um intermediário, para além de explicar como é que o trabalho é feito e quais as suas implicações.

 
 Qual é o vosso processo de preparação para cada episódio?

Carolina: Os nossos processos são um bocadinho diferentes! Nós tentamos não falar antes do episódio, para não existir qualquer tipo de partilha e troca de informação. Não porque não queremos dizer, mas para ser mais instantâneo e orgânico. Nós temos backgrounds diferentes e abordagens diferentes à Beleza…

Joana: …mas uma coisa em que nós concordámos desde o início é que não queríamos ter um podcast guionado. Nós sabíamos que não queríamos um discurso lido, que queríamos produzir uma conversa informada, mas espontânea. Daí nós evitarmos debater antes, para guardar tudo para o momento da gravação.

Carolina: O meu método de pesquisa é, depois de termos o tema, ir ler o máximo sobre o assunto. Seguir o processo que eu tinha, enquanto jornalista, quando me preparava para escrever um texto, ou fazer um pitch de um artigo. Faço exatamente a mesma pesquisa, embora neste caso seja um bocadinho diferente, porque em vez de pegar na pesquisa e ir entrevistar alguém, vou discutir o meu ponto de vista utilizando a informação a que tive acesso. 

Para além disso, estou constantemente à procura de novidades, tendências, notícias, reportagens, programas de televisão… estou sempre atenta – em especial às redes sociais, que são o maior ponto de identificação de tendências e temas atualmente. Perceber sobre o que é que as pessoas estão a falar e como é que elas falam sobre o assunto.

Joana: Às vezes até a investigação acontece previamente à determinação do tema do episódio, por esse motivo! Torna-se tão evidente que temos de falar naquele tema que a pesquisa está praticamente feita à partida. No meu caso, pesquiso artigos online, porque em Portugal não temos muita literatura física e entro no método do jornalismo: confirmar fontes e comparar artigos!


Quais foram alguns mitos que logo à partida sentiram necessidade de abordar e desconstruir?

Joana: Nós sabíamos que íamos querer abordar as questões dos produtos detox, porque éramos confrontadas com o tópico de tempos a tempos, então tínhamos noção que seria uma questão de tempo até ele surgir em discussão. Há, no entanto, uma série de mitos e más práticas que nós identificamos e sabemos que vai demorar algum tempo até que sejam apagados, a expetativa é que nos consciencializemos da mesma maneira que o fizemos com o protetor solar e a fuga aos solários. Acho que há esperança! (risos)


Qual foi o vosso episódio favorito até ao momento?

Carolina: Recentemente, alguns amigos meus disseram que nós tínhamos de parar de insistir nos episódios dos Beauty Clips, mas eu e a Joana sempre escolhemos estabelecer a nossa própria voz, o nosso ritmo e fazer coisas que nós gostamos. E esses são os episódios que eu mais gosto de preparar e gravar, porque a grande influência para mim e para a minha geração eram os videoclips. Um videoclip era um grande evento! Eu compreendo a crítica, mas são daqueles episódios que nós fazemos porque também nos trazem satisfação a nós!

Joana: O greenwashing sempre foi uma questão que me interessou e deu-me muito gozo preparar esse episódio, ainda que a dinâmica seja diferente e menos emocional que quando falamos de um Beauty Clip! Nós gostamos dos episódios sempre por motivos diferentes e escolho o episódio em que falamos sobre o greenwashing pelo processo de investigação!

Carolina: Em termos de preparação, o episódio que mais gostei de preparar foi relativo às Marcas de Beleza de Catálogo, porque sempre tive muita curiosidade nesse tipo de negócios e em toda a desconfiança com que são vistos. Foi o episódio em que dediquei mais tempo à preparação e foquei-me mesmo muito, porque queria compreender a relação entre a desconfiança que existe e o lucro e predominância que conquistam mesmo assim. A saga que realizámos sobre o Youtube também foi muito interessante, porque foi o meu primeiro contacto com este universo da Beleza. 

No entanto, o episódio que tivemos mais feedback e foi mais emocional para mim, foi o Especial De Verão: Corpos de verão, programas detox e outras loucuras, porque enquanto jornalista sempre fiz de minha função quebrar esses estereótipos e, vendo que no primeiro ano em que não estava no ativo, o jornalismo de moda e beleza deixou muito a desejar, foi como se, depois de tanto trabalho a tentar construir uma voz de mudança e inclusividade na indústria, se tivesse perdido tudo.

Joana: Foi um episódio um pouco catártico, com um tema delicado. E, como tanto eu e Carolina sempre nos pautámos por ser agentes de mudança, tornou-se inevitável que a nossa reação tivesse um bocadinho mais de paixão, mas penso que também faz parte!

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