Os blogs morreram?

  por Matilde Castanho

O ano era 2005, o relógio marcava as dezanove horas e o genérico da série Morangos Com Açúcar soava em todas as casas portuguesas, em que vivessem jovens dos doze aos dezoito. Voltas e reviravoltas, corta a cena para o momento em que Joana Duarte, na pele da protagonista, se debruça sobre o seu computador portátil – na altura da grossura de uma enciclopédia - e atualiza, religiosamente, o seu blog“Hoje começaram as aulas. Estou num colégio novo, mas tenho algumas saudades da minha antiga escola (…)”.

E, por todo o país, dezenas de bloggers seguiam a mesma rotina, servindo-se da Internet para partilhar as suas experiências e expressar as suas opiniões, numa era em que as redes sociais ainda não dominavam a esfera pública.  

Apesar das ferramentas e plataformas que permitem a criação e manutenção de blogs terem surgido durante os anos noventa, foi no início do milénio que blogging – o ato de escrever num blog - se tornou popular. E, se numa ponta do espectro, se encontravam jornalistas, fotógrafos, políticos e escritores a tirar partido da independência e liberdade criativa, económica e expressiva que uma plataforma com curadoria própria lhes proporcionava; na outra estavam cidadãos comuns, de todas as idades, que encontraram na blogosfera – comunidade digital de autores e leitores de blogs – um espaço seguro para publicar sobre o seu quotidiano, os seus interesses e as questões que lhes eram mais queridas, de um modo recreativo e extracurricular. Esse segundo grupo constitui a génese dos influenciadores digitais que conhecemos atualmente.

Tendo a autenticidade a seu favor, os blogs conquistaram a atenção dos utilizadores da internet por serem plataformas criativas e honestas. Quando recorda o seu primeiro contacto com a blogosfera, em 2008, Inês Mota, autora de Bobby Pins, confidencia “não existia esse conceito de ‘criar conteúdo’. Os blogs eram autênticos diários digitais, onde as pessoas escreviam praticamente sem filtros. A curadoria dos conteúdos e o planeamento de artigos surgiu muitos anos mais tarde, mas lembro-me que me fascinou a ideia de poder ter um espaço digital só meu, onde podia ser autêntica e comunicar o que me entusiasmava”.

Numa era em que a presença online se manifestava maioritariamente como apenas uma ocupação dos tempos de lazer, a facilidade (e gratuitidade) em configurar um website, aliada à possibilidade de o fazer de forma anónima, ajudou esta comunidade, formada por indivíduos com urgência em enunciar-se, a construir por si própria um local para o fazerem, a blogosfera portuguesa, na altura, era bem diferente da blogosfera atual. Havia muito companheirismo e empatia entre todos. Talvez por muitos terem perfis anónimos, era fácil desabafar e criar conteúdo, pois tínhamos sempre alguém que se iria identificar e apoiar o nosso trabalho. Como é óbvio, não tinha a repercussão que atualmente um perfil de Instagram por exemplo tem, mas talvez precisamente por isso nos sentíamos tão bem acolhidos e protegidos. Era uma bolha, o safe space daquelas pessoas. Foi isso que me fez ficar tanto tempo, revela João Moreira, criador do Brisa Passageira e autor de vários blogs, até ao ano de 2020.

O processo de evolução destas plataformas – e seus respetivos criadores de conteúdo – ocorreu debaixo dos holofotes, tendo sido vítimas de diversas tendências, influências ou movimentos. No espaço de uma década, os blogs sobreviveram a diversos fenómenos linguísticos, estéticos, literários e até artísticos, “quem lia foi ficando cada vez mais exigente – e ainda bem -, e os próprios autores também começaram a ter um cuidado especial na escrita e na aparência dos blogs. Tudo isso coincidiu com o fim dos autores anónimos, as pessoas começaram a revelar o rosto, a cidade onde moravam, partilhavam fotografias reais. Talvez porque as restantes redes sociais estavam no auge e havia essa necessidade de aproximação” analisa João.

No entanto, após a sua ascensão meteórica no espaço mediático, os blogs tiveram o seu óbito declarado em 2014, por publicações de renome como o jornal The Guardian e a New York Magazine. Subitamente, grande parte dos utilizadores da internet tinha à sua disposição um smartphone com acesso a aplicações como Facebook, Twitter, ou Tumblr, onde os canais de comunicação eram imediatos, infinitos e contínuos. 

A consequência desta rapidez e simplicidade veio trazer complicações ao trabalho dos bloggers, que começaram a ser cada vez mais pressionados a captar a atenção de leitores.

“As plataformas são muito limitadas, sem grande margem para personalizar o aspeto do site e formatar o texto de acordo com as preferências. O facto de surgir um link com o acesso a uma segunda plataforma acabou por fazer com que os blogs ocupassem um segundo plano, porque não têm o imediatismo a que as redes sociais nos habituaram.  O surgimento de outras plataformas fez com que nos adaptássemos a uma nova rapidez de leitura – o que poderá não ser bom”, conclui Inês Vivas, autora do Esternocleidomastóideu, quando questionada relativamente às desvantagens dos blogs, perante a emergência das redes sociais, “um vídeo com uma pessoa a falar connosco para a câmara terá sempre mais proximidade do que uma página em branco com palavras. São conteúdos mais sedutores para o público (não necessariamente mais enriquecedores, mas isso também não é exclusivo ou garantido nos blogs)”, explora Inês Mota.

Se muitos bloggers, após confrontados com este novo cenário, abandonaram os seus projetos, outros optaram por efetuar um êxodo para as aplicações com que estavam a concorrer. 

A profissão de influenciador digital solidificou-se e o estatuto de amador, anteriormente o maior trunfo dos blogs, deixou de caracterizar a comunidade de criadores de conteúdo digital, para João Moreira “era uma comunidade bem mais positiva e feliz [a blogosfera]. Não chegávamos a tanta gente, mas talvez fosse esse o segredo. Sinto falta dessa proximidade, que é difícil de manter com um criador de conteúdo de Instagram ou Youtube. As palavras escritas e lidas aconchegam-nos de uma maneira diferente”.

Todavia, apesar de não serem detentores do título de plataforma favorita da grande maioria dos utilizadores da internet, os blogs continuam muito presentes na rede - ocupando agora um lugar de nicho e servindo predominantemente para responder a questões específicas sobre determinadas matérias, “é nos blogs e nos sites que procuramos as informações e opiniões mais detalhadas. Talvez não nos apercebamos, mas quando procuramos algo no Google – seja uma opinião de um tema atual, uma review de um livro, de um creme em específico, dicas de viagem, de locais a visitar, receitas e muito mais -, é a um blog que vamos parar. Podemos não segui-lo, nem conhecer o autor, mas está ali pronto para ser lido por quem procura conteúdo mais filtrado”.

Ainda que as tendências sejam marcadas por aplicações que consomem cada vez menos tempo – aumentando a impaciência dos cibernautas e a sua exigência por conteúdos rápidos e superficiais -, como observamos através do abandono dos longos vídeos de Youtube em detrimento dos meros quinze segundos ocupados por um TikTok, ou Instastory (onde, mesmo assim, os criadores de conteúdo se veem forçados a colocar um pedido de “vejam até ao final”); muitos bloggers continuam empenhados em publicar conteúdo que impacte e apele a todos os leitores que estejam disponíveis a dedicar-lhe dez minutos do seu dia, Inês Mota afirma “creio que os blogs irão ter sempre uma posição no digital, mais não seja porque são uma fonte indexada de informação que está ao nosso alcance cada vez que pesquisamos alguma coisa. Do ponto de vista social, acho que assumiram que são uma plataforma de nicho para um público que gosta de blogs e gosta de ler, já que a restante audiência encontrou novas plataformas para se conectar e entreter, mais interessantes para o seu perfil”.

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